A extração de minerais como o petróleo não é um papel de serviços e produtos que pagarão sobretaxa quando entrar em vigor na reforma tributária. Além da alíquota-base do novo IVA, eles estarão sujeitos a um adicional estimado em até 0,25% por estarem na lista do Imposto Seletivo (IS) – o “imposto do pecado”, que vai incidir sobre bens e serviços considerados prejudiciais ao meio ambiente e à saúde.
Quem vai pagar pelo “pecado”, no entanto, é a população, pois a tributação pode encarecer combustíveis (e tudo o que depende de transporte) e a geração de energia elétrica (e tudo que depende dela).
O secretário especial da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, entende que a energia elétrica e o telefone ficarão mais baratos após a reforma. Fazendo referência à substituição de vários impostos pelo novo IVA dual, ele defende que os preços de muitos produtos tendem a cair, “gerando um efeito deflacionário de longo prazo ainda difícil de calcular”.
“Muito provavelmente as contas de luz e telefone vão reduzir, porque hoje eles pagam mais”, afirmou Appy ao jornal O Estado de S. Paulo. “Hoje, se há alguma coisa que podemos chamar de padrão, que paga ICMS e PIS/Cofins, dá 34,4%. Isso é o ICMS para 18%. Porque a grande maioria dos estados já cobra mais. O que é pouco competitivo é o tributo atual”, completou. A comparação que ele faz é com a alíquota-base prevista para o IVA, que poderá chegar a 28%.
Assim como Appy, alguns tributaristas defendem que, no fim das contas, haja um equilíbrio no pagamento de impostos ao consumidor, já que a alíquota-base do IVA vai encarecer alguns itens e baratear outros.
Mas, para outros setores e especialistas, a conta é um pouco diferente: se o valor da energia e o custo de transporte sobem para as empresas, vai haver reflexo na ponta, no caso, para o consumidor. É a opinião da advogada tributária e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, Bianca Xavier.
“É minimamente prematuro dizer que não haverá impacto. Energia e telecomunicações não terão Imposto Seletivo e terão ainda o reembolso para a população de baixa renda. Mas esses setores serão impactados pelo Imposto Seletivo porque o petróleo é insumo de todas essas áreas de base”, explica.
Bianca participou de um estudo realizado pela FGV com o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) para mensurar o reflexo da reforma tributária na indústria de petróleo e gás nos próximos dez anos.
Segundo os cálculos do levantamento, o setor deixará de gerar R$ 5,89 bilhões em investimentos e de inserir R$ 2,6 bilhões no PIB nacional, até 2033, com o Imposto Seletivo – isso se a alíquota ficar em 0,3% . Se a sobretaxa de 1%, por exemplo, o impacto será maior: de R$ 19,6 bilhões em investimentos e R$ 8,6 bilhões no PIB.
“O petróleo está em tudo, não só na energia. Vira gasolina e é insumo para a indústria de roupas, plástico, telefone, para muitos setores. Quando se coloca o petróleo no Imposto Seletivo, está se encarecendo tudo, inclusive medicamentos”, diz Bianca.
Efeito cascata em investimentos e investimentos na indústria petroquímica
O superintendente de Pesquisa da FGV Energia, Marcio Lago Couto, pontua que o aumento da carga tributária se reflete também na retração de investimentos e perda de geração de renda e emprego ao longo da cadeia. O estudo calcula redução de mais de 106 mil postos de trabalho na próxima década com o texto atual da reforma.
“No regime atual do setor de petróleo e gás, a arrecadação sobre o lucro no Brasil é de quase 80%, muito acima dos Estados Unidos (53,8%), da Argentina (47,4%). Com as propostas da reforma, subirá para 86,6%, o que reduz a competitividade do setor de petróleo e gás do Brasil em relação a alguns mercados”, diz Couto.
A Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo (Abpip) compartilha uma visão. Acredita que o Imposto Seletivo vai espantar investimentos privados, refletindo na economia geral do país. E diz que, mesmo que abaixo de 1%, o IS onerará o consumidor em decorrência dos impactos de preços de combustíveis que abastecem veículos que transportam a produção nacional de mercadorias, inclusive da cesta básica.
“A incidência do Imposto Seletivo afetará projetos em campos maduros e acumulações marginais. Em relação ao gás natural, tal tributação envolve os esforços que o país tem feito para aumentar a produção de gás, justamente por ser reconhecido como o combustível da transição energética”, diz nota da Abpip em seu site.
Na avaliação da tributarista Camila Tapias, sócia do Utumi Advogados, a reforma aumentou a carga tributária ao brasileiro, pois se mistura com vários setores e porque o adicional do IS incidirá no que é base para produção de energia elétrica e transporte.
A advogada destaca que o texto indicava a Lula estipulação de devolução de 100% da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e de 20% do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) nas faturas de energia, água, gás e telecomunicações para pessoas de baixa renda.
Contudo, mesmo com essas isenções, na prática, além de a população pagar mais em bens e serviços no geral, o consumidor também arca com o custo de produção que deve aumentar para esses setores operarem.
Além disso, ao mesmo tempo em que o mundo corre para reduzir o consumo de fontes fósseis de energia e mitigar a emissão de gases de efeito, dando mais espaço para fontes renováveis, como sol e vento, ainda há uma grande dependência das matrizes energéticas convencionais. . No caso do petróleo, a dependência é ainda maior, pois o mesmo produz o plástico, base de vários produtos na indústria.
Combustível: cobrança única na cadeia
Nenhum setor de combustíveis será mantido a cobrança monofásica, ou seja, a alíquota será paga uma única vez, valendo por todos os elos da cadeia. O tributo será recolhido dos produtores de biocombustíveis, das refinarias e centrais de matéria-prima petroquímica, das unidades de processamento de gás natural e do produtor local e industrial.
Bianca esclarece que esses estabelecimentos são referentes a onde se inicia a produção de combustível. Ou seja, o petróleo (etapa anterior à gasolina) será tributado como Imposto Seletivo. Quando for transformado em outro produto, como a gasolina, a tributação então será de Imposto de Valor Agregado (IVA) e de uma única vez. O IVA será composto pela CBS (que caberá à União) e IBS (estados e municípios).
Isso quer dizer, explica a advogada, que mesmo que sobre o combustível incida o imposto de alíquota-base, estimado entre 26,5% e 28%, o motorista vai de alguma forma pagar mais já que o petróleo, insumo da gasolina, será sobretaxado.
Imposto extra recairá também sobre embarcações e veículos, mesmo elétricos
O Imposto Seletivo também será aplicado a cigarros, bebidas alcoólicas e açucaradas, veículos, jatinhos e embarcações. O valor do imposto extra será definido posteriormente e a coleta será cobrada em 2027.
A indústria automotiva começou, mas não conseguiu se esquivar do “imposto do pecado”. E não foram apenas os veículos movidos a combustão; os elétricos também serão tributados com adicional por causa das baterias, avaliados como nocivos ao meio ambiente.
As alíquotas incidentes serão definidas posteriormente, considerando a potência do carro, eficiência energética, desempenho estrutural e tecnológico, entre outros aspectos.
Dependendo da classificação e dos critérios de reciclabilidade veicular e da quantidade de emissão de dióxido de carbono, o veículo ou a embarcação poderão ser enquadrados como sustentáveis. Neste caso, a alíquota será zero. Também haverá isenções para beneficiários de regime especial, como portadores de deficiência.
Para Camila, não faz sentido colocar veículos, petróleo e gás e carros elétricos na lista do Imposto Seletivo.
“O Imposto Seletivo foi criado com esta reforma para desencorajar o uso de produtos e serviços que fazem mal à saúde e ao meio ambiente. Não faz sentido colocar o combustível e o carro [na lista] porque o carro é o meio. Ele, por si só, não gera impacto no meio ambiente, mas sim o combustível. É como se sobretaxasse”, explica Camila.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) ainda não calculou o impacto da reforma no setor, mas diz que o IS vai encarecer os preços dos automóveis, o que inibirá a compra de carros, afetando empregos e a economia.
“O Brasil já tem uma das maiores cargas tributárias do planeta sobre a compra de veículos e o Imposto Seletivo dificultará ainda mais a aquisição de veículos por uma parcela significativa da população”, diz a Anfavea em seu site.
Armas e refino em Manaus ficam de fora da tributação extra
Por outro lado, A Câmara dos Deputados, com aval do Senado, aprovou uma emenda que beneficia o refino na Zona Franca de Manaus.
Em resposta à questão do refino, as entidades do setor enviaram um ofício ao Congresso Nacional solicitando a votação em separado e supressão da exceção manauara. Eles alegam que o incentivo desequilibra o mercado, uma vez que a Zona Franca de Manaus poderá oferecer preços mais competitivos, o que afeta as empresas nas regiões próximas (Norte e Nordeste).
“Tecnicamente, a medida tem o condição de melhorar sem justificativa razoável os preços produtivos das indústrias de refino de petróleo da Zona Franca, prejudicando o restante do país”, diz o texto.
Quem também se manifestou contra a proposta da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). O estado é responsável por 87% da produção de petróleo brasileiro.
“Não é minimamente razoável que os interesses de uma determinada localidade sejam suficientes para prejudicar as empresas localizadas em outros estados da federação. É inconcebível que parlamentares de todos os demais estados não tenham força para impedir tais privilégios”, diz nota da Firjan.
O benefício à Zona Franca de Manais foi inserido pelo relator Eduardo Braga (MDB) a partir de sugestão de Omar Aziz (PSD) – ambos do Amazonas. Appy disse que a Fazenda foi contra o benefício dado ao refino de combustíveis da Zona Franca de Manaus, segundo o Estadão.
Outra mudança foi a retirada da exportação de minerais da lista do Imposto Seletivo. O texto final manteve apenas a alíquota-base do IVA para a atividade.
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