A queda do regime de Bashar al-Assad, ditador depositado pelos rebeldes no último dia 8, revelou ao mundo o horror que se esconde há décadas dentro das prisões da Síria.
Conhecidas como centros de torturas e desaparecimentos, essas instalações — especialmente a notória prisão da cidade de Sednaya, apelidada de “abatedouro humano” — refletem a brutalidade da ditadura que liderou com punho de ferro o país por mais de meio século.
Desde o fim do regime, familiares desesperados ficam lotados com as vulnerabilidades das prisões recém-abertas, buscando respostas sobre o paradeiro de seus entes queridos que foram arbitrariamente detidos por Assad.
Na prisão de Sednaya, que durante anos evocou silêncio e medo, prisioneiros sobreviventes emergiram em condições devastadoras. O local foi considerado por décadas o ápice do terror perpetrado pela agora antiga ditadura da Síria. Na prisão, os detidos foram forçados a viver em condições desumanas, e vários acabaram desaparecendo sem deixar vestígios. Além disso, muitos detentos foram submetidos a abusos atrozes, torturados e privados de necessidades básicas. Dentre as práticas cruéis estão os abusos sexuais e a imposição de atos violentos entre os próprios detentos. Os sobreviventes apontaram ainda para a existência de execuções em massa após julgamentos fraudulentos, com estimativas de mais de 30 mil mortes.
De acordo com a CNNcitando dados do Departamento de Estado dos EUA, estima-se que cerca de 50 prisioneiros por dia foram executados em Sednaya. O regime de Assad ainda construiu um crematório no local para eliminar evidências, conforme documentos divulgados em 2017.
“Os que saíram daqui parecem esqueletos. Imagine como devem estar os que ficaram presos nos níveis costados”, disse ao jornal britânico O Guardião Ahmad al-Shnein enquanto procurava por familiares.
Prisioneiros resgatados e a busca no tronco
Testemunhas afirmaram que prisioneiros ainda estão trancados em estruturas complexas da prisão de Sednaya, que são conhecidos como a “ala vermelha”. Um mapa encontrado pelos rebeldes que derrubaram o regime revelou a existência de uma estrutura de cerca de cinco andares abaixo do solo. Alguns presos políticos foram resgatados desses locais, outros ainda não tiveram a sorte de sair do pesadelo.
“Há pessoas sufocando lá embaixo, mas não sabemos exatamente onde”, relatou al-Shnein.
Milhares de sírios estão se aglomerando diariamente nos próximos de todas as prisões do país, alimentados por uma última esperança de encontrar seus familiares vivos ou ao menos obter respostas sobre seu destino final.
“Viemos e procuramos, mas não encontramos nada. Aqueles que estão na ala vermelha ainda não foram encontrados”, lamentou ao Guardião Yamen al-Alaay, um jovem que busca por um tio que foi detido arbitrariamente e está desaparecido desde 2017.
Corpos mutilados e marcas de tortura
Além das covas clandestinas, das celas vazias e dos corpos mutilados, os horrores das prisões também se revelam em hospitais e necrotérios lotados. No Hospital Al Mujtahid, na capital Damasco, 35 corpos foram encontrados nos últimos dias, ao que tudo indica, foram todas vítimas das torturas perpetradas pelo regime.
Familiares ainda procuram entre os mortos, desesperados por respostas. Na emissora americana CNN, uma mulher que não teve seu nome divulgado clamou entre lágrimas: “Minha mãe está desaparecida há 14 anos. Onde ela está? Onde está meu irmão? Onde está meu marido?”
Todos os corpos encontrados apresentam lesões consistentes com tortura intensa: ossos quebrados, sinais de estrangulamento, queimaduras e hematomas severos.
“Mesmo na Idade Média, não torturavam pessoas assim”, condenou à CNN o médico Ahmed Abdullah, que trabalha no necrotério.
Evidências
As organizações de direitos humanos alertam sobre a necessidade de preservar os registros sobre detenções que estão sendo encontradas, que podem ser utilizadas como provas para um futuro processo internacional. Em Sednaya, segundo o Guardião sim CNN, famílias coletando livros de registro em busca de nomes de parentes desaparecidos. Contudo, em meio ao caos, há risco de destruição involuntária desses documentos.
Uma nota encontrada em uma cela de Sednaya expôs o desespero dos detentos. Escrita por um prisioneiro identificado como Mohammed Abdulfatah al-Jassem, uma mensagem, relatada pelo Guardiãofalou sobre a morte de um outro prisioneiro que caiu e bateu a cabeça após sofrer uma convulsão. Ele deixou um número de telefone, mas, ao ser contatado pelo jornal britânico, ninguém atendeu.
Responsabilidade por décadas de terror
Em meio às revelações chocantes, um caso específico ganhou destaque na última semana. O ex-oficial sírio Samir Ousman Alsheikh, de 72 anos, que serviu ao regime de Assad, foi acusado formalmente nos Estados Unidos por crimes de tortura e crimes entre 2005 e 2008, quando dirigiu à prisão da cidade síria de Adra, localizada no sul do país.
Segundo o Departamento de Justiça americano, Alsheikh “ordenou e participou pessoalmente” de torturas extremas, incluindo espancamentos realizados em prisioneiros que ficaram suspensos no teto da prisão e o uso de um dispositivo que causou fraturas graves na coluna dos detidos.
Preso em julho no aeroporto de Los Angeles, Alsheikh agora enfrentará um julgamento por tortura e fraude migratória, com penas que podem chegar a 20 anos de prisão para cada crime.
“As vítimas continuam a sofrer, mesmo após o fim físico das torturas”, afirmou Nicole Argentieri, chefe da Divisão Criminal do Departamento de Justiça.
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